CICLISMO DE RESISTENCIA CONQUISTA CASCAVEL

Essa semana que passou começou agitada. Estávamos nos ajustes finais para enfrentar um dos desafios mais temidos: BRM 1000 Lapa/Cascavel. Até a cidade de Guarapuava os ciclistas Anderson Oliveira de Souza e José Assumpção Alcunha Giba José Assumpção conheciam muito bem o trajeto e o grau de dificuldade. Dali para frente, os indicadores não eram animadores, mas a condição de cada guerreiro demonstrava que a luta seria dura, mas possível de superar. Dado o sinal de largada nos programamos para dormir no Hotel Degraus, na cidade da Lapa e, desfrutar da cordialidade e o ótimo atendimento costumeiro da Sra. Sirlei proprietária. Contudo, mais alguns ajustes finais eram necessários e entre inúmeras conversas com os demais ciclistas que confirmaram presença (dos 20 inscritos somente 11 largaram) iniciamos a batalha. Saída em ponto às seis da manhã, o primeiro trecho a percorrer envolvia as cidades da Lapa e Campo do Tenente. Até ali a temperatura agradável animou o pedal e seguimos forte para confirmar o primeiro PC (Posto de Controle). Um rápido café e retorno imediato para seguir até Palmeira e manter a programação. No entanto, é importante destacar o percurso em Campo do Tenente onde há uma ponte de ferro sobre o rio da Várzea. Ali é momento de muita tensão, pois o espaço é ínfimo e o longo trecho de travessia carece de cuidado e bom senso. Passado esse entrave momentâneo a equipe seguia firme rumo a Palmeira.
Após a Colônia Quero-quero paramos no Posto Maranelo, e reforçamos a alimentação porque sabíamos que dali para frente inúmeras obras estavam em andamento na continuidade da rodovia. Em Palmeira alguns trechos de recapeamento da terceira faixa e inícios de preparo para construção de nova terceira faixa, entre as cidades de Irati e Palmeira, indicavam maior atenção e num determinado momento um dos pneus do ciclista Anderson de Oliveira explodiu devido à sujeira na pista. Realizada a troca seguiu em frente. Nesse instante o horário indicava estarmos próximos das duas da tarde da quinta-feira e há 15 km do Anila em Irati. Então, José Assumpção optou em almoçar numa lanchonete na rodovia. Comida caseira, simples e acolhimento nota mil seguiu com forças para chegar até o pedágio do relógio localizado na cidade de Prudentópolis. Contudo, o dano no pneu na bicicleta de Anderson de Oliveira comprometeu o seu planejamento e uma alimentação rápida fora realizada no Anila. Novamente, a equipe se reunia, pois é importante ressaltar que cada qual segue firme sua programação e ritmo de pedalada e, mais um guerreiro se somava a batalha: Wanderley Alves que, além de uma pessoa extraordinária é respeitado e reconhecido pelos feitos nos BRMs do calendário nacional. Contudo, a condição de obras na pista já em Irati trouxe inúmeros fragmentos asfálticos, que cobrariam seu preço mais adiante. Enfim, a noite chegava velozmente e começávamos a subir a Serra da Esperança entre os municípios de Prudentopólis e Guarapuava, totalizando mais de 10 km intensos com fluxo de caminhões, terceira faixa e pra aumentar a intensidade do desafio, a chuva chegara. Tarefa dura, mas superamos a serra e dávamos as boas vindas a Guarapuava. Mais uma vez trechos em obras e cuidado redobrado.
Próximo das vinte e três horas saímos de Guarapuava e a escassez de Autoposto 24hs indicava problemas, pois a fome batia a porta. Todavia, a determinação movia os pedais e logo avistávamos o Autoposto em Três Pinheiros em Candói. Alimentação reforçada, segue a batalha! Mais de 300 km vencidos a placa indicava mais de 100 km para chegar até o Hotel Palmeiras na cidade de Laranjeiras do Sul. A ansiedade e sono fizeram com que o ritmo aumentasse e, após superar o município de Cantagalo, pouco a pouco avistamos as luzes das cidades. Uma pintura de felicidade era criada naquele instante. Nesse momento as serras entre Cantagalo e Laranjeiras do Sul cobravam o seu preço e, algumas pontes estreitas indicavam cuidado redobrado na descida. Passado mais esse entrave nova placa indicava que, Laranjeiras do Sul estava a 23km. José Assumpção ao perceber isso teve um momento de loucura, frenesi e desgarrou insanamente do trio, pois alguns alarmes internos demonstravam que o organismo estava extenuado, além de avistar os relâmpagos no horizonte e o vento a aumentar sua intensidade trazendo a chuva. Pouco tempo depois conquistávamos a cidade de Laranjeiras do Sul às cinco da manhã. Novas conversas, ajustes e a saída programada para iniciar antes das sete da manhã. Ritmo excelente, forças renovadas o combate recomeçava. Naquele momento o tempo mudou. A chuva rompeu os céus e pouco a pouco banhava incansavelmente os ciclistas e seguiu assim até a entrada em Cascavel. Porém, a proximidade do meio do dia era necessário alimentar se muito bem e, uma dura decisão fora tomada pelo ciclista Anderson de Oliveira: desistir. Nesse instante, toda uma vida passa pela nossa cabeça. Família, filhos, amigos e tantas e tantas pessoas percorrem nossa mente que, o momento torna se extremamente particulares, e não pode de maneira alguma ser influenciado. Dessa maneira, o abracei muito forte, olhei direto em seus olhos e respondi: – Meu irmão de coração que admiro tanto, peço desculpas, mas preciso chegar em Cascavel! Despedimos-nos cada qual com o coração apertado, e Anderson de Oliveira retornava para o Hotel em Laranjeiras do Sul. Não era tarefa fácil para eu seguir adiante. Minha mente começava a cobrar mais atenção e cuidados com os valores que determinam a força de cada homem. Mas, algo além da compreensão gritava dentro de mim para seguir em frente, e, assim juntamente com Wanderley de Souza iniciávamos a conquista de Cascavel. A chuva ficou cada vez mais intensa e no aldeamento de Guaraniaçu os caminhões que subiam e desciam velozmente, deixavam densa nuvem de água aumentando o risco de queda e, tornando a visibilidade quase zero. Num determinado momento da serra um caminhão me alcançara e, outro logo atrás dele tentava ultrapassar num trecho proibido. Momento de extrema tensão fora vencido. Contudo, tanto eu como o Wanderley, observávamos a serra minuciosamente, com muito zelo e atenção, para decorar cada detalhe da descida no retorno. Isso não colaborava em nada em condições de tempo bom, imaginem com chuva e vento.
Vencemos a serra de Guaraniaçu e logo passávamos pela cidade de Ibema. Naquele instante, notei perda considerável de rendimento em plena reta. Parei a bicicleta e percebi que a quantidade de detritos recolhidos, durante o trecho em obras, começava a cobrar o seu preço. Tentei limpar de todas as formas e notando que era necessário chegar a Cascavel para sair durante o dia, seria primordial. Aumentei o ritmo dentro do possível e a chuva igualmente. Vencido o trecho de Ibema, Cascavel estava muito próxima e, um descampado magnífico eu vislumbrava e temia ao mesmo tempo, pois a chuva transformou se em granizo e, o vento aumentou drasticamente. Era impossível pedalar! Mas, ficar inerte naquela condição com raios cruzando a campina, as forças ressurgiram, porém, o primeiro furo de pneu ocorreu. Que dureza! Realizar uma troca de pneu não é tarefa fácil, imagine então com essas intempéries. Enfim, realizada a troca, minha companheira fiel de batalha dava sinais de alerta, mas seguia firme e o granizo mais ainda. Por mais de trinta minutos as batidas do granizo no capacete ditavam um som assustador e, mesmo com a visão embaçada a calmaria era avistada na planície. Logo me deparava com a parte industrial de Cascavel. Orgulhoso, feliz e assustado, minha mente e coração estavam confusos. Todavia, o PC ( posto de controle) era dentro da cidade de Cascavel e as inúmeras obras na rodovia de acesso, dificultavam a entrada e aumentavam o tempo perdido. Cheguei à Catedral Metropolitana próximo das quatro horas e vinte minutos da tarde do dia 24. Parei por alguns instantes na praça. Observei as pessoas. Elas mais ainda o ciclista estrangeiro. Fiz o sinal da cruz, agradeci a Deus primeiramente, também Nossa Senhora Aparecida minha protetora e retornava velozmente para evitar o crepúsculo e seu pressagio dentro de Cascavel. Contudo, era necessária uma ótima refeição. Adentrei numa lanchonete. Fui muito bem acolhido. Alimentação deliciosa e após contar brevemente a batalha para mulher que me atendeu, a mesma agradeceu e desejou retorno com segurança. Porém, a travessia de acesso à rodovia cobrava o seu preço. Atenção, esforço e zelo incalculável aumentaram o tempo em demasia. Novamente, após superar o trecho industrial e vencer o pedágio de Cascavel, a ventania intensa apresentava sua sinfonia fúnebre. Sons terríveis, somados a dezenas de caminhões me jogavam de um lado para outro. Uma guerra incondicional estava travada. Replanejar, zelar, cuidar... tantos e tantos verbos eram infiltrados na minha mente aguardando a conjugação final. Próximo de Ibema e um pouco distante de Cascavel e há 400 km de conquistar a batalha, novo furo ocorreu. As mãos todas enrugadas devido à chuva e o frio intenso, tornavam quase impossível à troca da câmara danificada. Para aumentar o desafio, naquele instante havia somente mais duas câmaras reservas, pois as demais aguardavam o meu retorno somente em Laranjeiras do Sul. Para apimentar ainda mais o desafio, dois faróis dianteiros não desligavam mais, devido a forte chuva.
Contudo, realizei a troca, enchi o pneu e notava a proximidade de uma luz. O ciclista Joca me alcançara. Fiquei muito feliz e seguimos juntos até Ibema. Naquele momento não tinha percebido o posto de gasolina e ele entrou rapidamente. Segui para aproveitar um dos últimos pontos de abastecimento porque Laranjeiras do Sul estava a mais de 70 km de distância. Todavia, percebi que mais ciclistas ali estavam. Dentre eles, Renato Muller, Wanderley Souza e Volnei Martins. Amigos de coração e guerreiros de pedal, batiam o martelo indicando a desistência. Momento difícil para mim. O que fazer agora? Qual o plano? Inúmeras e inúmeras perguntas atropelavam a minha mente. Então, após apertar e beijar o meu amuleto precioso, veio à sentença: Abortei...
Para todos os guerreiros que largaram e até mesmo os que não largaram, dedico esse texto com muito carinho, pois a batalha foi gigantesca! A decisão dolorida, mas a paz no coração prevalece para seguir em frente e retomar em outra ocasião a conquista do “QUARTO DIGITO”.
Agradecimentos: Sergio Ricardo Reis proprietário da Tecnocicles e apoiador do ciclismo de longa distancia 



Cícero Britto proprietário da Virtus Sport e presidente do Clube Audax CWB.
Aos familiares que incentivam e amigos que acompanham cada jornada através da leitura e Deus a todo momento para indicar a decisão certa para cada ocasião. Muito obrigado a todos!!!


Créditos das imagens meu amigo e irmão de pedal Wanderley Alves

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