ÉRAMOS, AGORA SOMOS E AMANHÃ, SERÁ
Eu sempre tive uma cisma em
relação aos anos ímpares e isso aumenta cada vez mais conforme segue a andança
nessa existência. São anos pesados. Negócios emperram, conflitos familiares
surgem e ressurgem nas mais infames vertentes criadas pelo comportamento alheio
e, o mais doído desse emaranhado de dissabores é a revelia da cria. Precoce em
pensamento e abundante em desejos acha dominar o mundo. Até que chega o
instante de ser brecada por andar na contramão. Bom, ontem diante da correria em
busca de remédios, contas e papéis diversos devido ao meu acidente de bicicleta
me deparei com um rapaz ofertando doces caseiros. Como eu não conseguia andar
rapidamente o jovem foi seguindo e a velocidade da sua fala retratava uma vida
de sofrimentos diversos, mesmo ele sendo um estrangeiro por eu não saber nada
dessa trajetória. Todavia, o olhar determinado travou meus passos lentos.
Deixei que falasse, falasse e falasse em abundância. Queria sentir o poder de
convencimento para angariar algumas moedas minhas e comprar o doce. Porém, não
foi necessário. E, como já me habituei ao dinheiro plástico, apenas algumas
moedas vascolejavam no bolso da calça preta. Juntei e entreguei, dizendo: não
quero o doce, mas quero saber o porquê andas por aqui. Olha , senhor – disse em
tom potente e irradiado de energia positiva – estou livre! Por muito tempo
andei na contramão e ofendi minha mãe, pois pai nunca tive. Usei diversos tipos
de drogas, se é que o senhor conhece isso e se não conhece nunca queira
conhecer. Nesse instante meus olhos denunciavam as lágrimas de tempos que
procuro enterrar, mas é uma tentativa dura e difícil por conviver de perto com
o temido vício, no entanto, como espectador. Nunca queira mesmo conhecer essa maldição,
senhor. Hoje tenho nojo. Muito nojo! Após isso, pedi que o rapaz esticasse a
mão e antes de entregar as moedas apertei sua mão.
Na minha mente estava claro
que ele lutava e luta dia após para não recair e segui meu caminho e o ser
inquietante que há no meu interior ativou o meu cerne inventivo. Por que é tão
difícil? O que há de tão saboroso nessas substâncias vedadas, porém,
comercializadas a céu aberto em cada esquina? Questionamentos e mais
questionamentos surgiam e por fim, a certeza era única: o primeiro passo para livrar-se
é força de vontade. Como buscar essa força diante da fraqueza do espírito e o domínio
da alma pelo vício? Dura pergunta que retratei num texto que há em meu livro
ainda não publicado e cujo texto nomeei Síndrome do Copo. O protagonista dessa
história não teve tempo de buscar a tal força de vontade. Nem mesmo o ambiente
que ele criou lhe deu oportunidade. Sim! Nós criamos o nosso ambiente. E,
depois de estar inserido em ambiente malogrado, força de vontade iguala-se a
chuva desejada no sertão agreste. Tarda, tarda e falha em chegar. Após o
frenesi um último pensamento visitou a mente e trouxe terror, angústia e
desalento. As mensagens que se distribuíam em minha mente retratavam e
replicavam sobre o certo e o errado. O momento de fazer e não fazer. E, talvez
o indicativo mais raivoso que tento abstrair durante a aquisição do bem material
e não deixar vagar por muito tempo no dia a dia: a brevidade da...
Cada qual segue pelo caminho
escolhido e cria seu ambiente. A partir desse instante está impetrada a sua
vontade seja certa ou errada. Dali por diante, somente o coletivo terá forças
para julgar, condenar e expurgar o ímpar errante. (JRA o poeta da verdade).
Comentários
Postar um comentário