PIPEIRO


O sol de agosto se aproxima! As crias aproveitam os últimos instantes de gozo das férias e o habitual segue. Será? Claro, que não... Como sempre a noitada no ambiente da dor (pronto socorro) priva certos momentos indispensáveis, quando chego ao lar. Sei que boa parte do dia se perde! Já que o corpo não suporta a carga de uma noite inteira no batente, e o descanso necessário, prevalece.

Mas, logo após o despertar vespertino, a fome indica que, abastecer o corpo é o momento iminente para sanar as necessidades. Então, preparo o prato, sento à mesa e observo a janela aberta, indicando que à tarde desponta um sol limpo de nuvens e, a brisa refrescante penetra no ambiente pacato. Dou mais algumas garfadas aceleradas e noto os gritos dos miúdos, demonstrando certa insatisfação. Levanto, corro até a janela e debruçado percebo o descontentamento dos guris, uma vez que a pipa comprada na papelaria do Arlindo, não sobe! Meu piá esbraveja, após pisotear constantemente a infeliz, dizendo:

– Que droga de pipa!

Sinto que a ocasião carece da devida atenção necessária. Aproximo-se e os semblantes, tanto do meu sobrinho, quanto do meu filho, são de extremo desapontamento por verem as outras pipas dos arredores altas e frenéticas no céu limpo de nuvens. Continuam as tentativas de levantarem as pipas, das mais diversas maneiras, e nada... O que fazer? Por que as pipas não sobem? O que há de errado? As questões foram se somando na minha mente e solução alguma aparecia de forma clara. Mas no meu tempo de guri, eu não comprava pipas!? Pensei comigo mesmo e num repente, o sorriso correu pela face: Eureca! É isto, mesmo! Façamos as pipas... Mas, como? Quarenta primaveras destacam a enormidade distância daquele tempo, com o hoje. Onde irei encontrar o elixir mágico, que trate o meu esquecimento? Achei que a panacéia singular estava ao alcance na venda do Arlindo, mas enganei-me completamente achando que o quinhão distribuído aos meninos, sanaria rapidamente as circunstâncias quando comprassem as ditas-cujas.

Respirei para dar trégua à perturbação da mente e lembrei-me de alguns artefatos guardados no armário das ferramentas. Por lá, algumas folhas de seda, alfinetes, cola, varetas (das quais eu conhecia por pãinnas) e fio, estavam à espera. Chamei os meninos para mais perto e com certo receio indaguei:

– Construiremos as pipas!

Ficaram sorridentes com a informação e minha mente continuava arduamente a atacar a minha capacidade, duvidando, ou pior, inserindo alento maléfico no instante que eu fosse manusear os apetrechos para arquitetar as pandorgas das minhas vagas lembranças. Contudo, a fala nostálgica de um chegado prevaleceu:

– É o mesmo que andar de bicicleta! Depois que aprende não se esquece mais...

Na mesa da cozinha lá estava todo o material necessário e perante a euforia da piazada ao meu redor, pouco a pouco tracei o fio pelas varetas, armando a estrutura da arraia em forma de estrela. Fiquei impressionado porque era uma das estruturas que eu tinha mais dificuldade. Parecia que toda aquela angustia era pura bobagem de um menino perdido no tempo, e o homem presente contemplava o sucesso com alegria no término da armação, respirando aliviado. Cobri com a folha de seda rapidamente e os olhos dos observadores estavam radiantes.

– Nossa, pai! Que pipa linda...

Sim. Toda arquitetada com cuidado e zelo. Deixei que eles escolhessem cada qual sua cor predileta, e depois avisei que iríamos ao parque para empiná-las. No entanto, o final de tarde dominou. Os meninos se recolheram e desta vez eu não me debruçava na janela, mas sim, no muro da frente da residência a ponderar o seguinte:

“Todo o tempo se resume ao hoje. Tanto faz acarretar longos anos de vida, se esta própria vida foi levada as pressas sem notar os momentos necessários de atenção para ensinar e aprender”...
Passado o instante de reflexão, voltei para dentro de casa. Preparei meu tradicional café com leite na caneca ganha nos dias dos pais, e esquentei o líquido divino no forno de microondas. Respirei novamente, a noite reinou...


Comentários

  1. você promete que me ensina a fazer pipa?

    http://nadacontraoverso.blogspot.com/2009/06/nao-aprendi-brincar-de-soltar-papagaio.html

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  2. BELO BLOG, ESTÁ DE PARABÉNS! cOM MATÉRIAS INTERESSANTES, GOSTO DISSO.
    aH..E COM CERTEZA VC LEU O CAÇADOR DE PIPAS RSRS

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