QUANDO AS FOLHAS CHORAM












A lua, em sua fase de cheia taça, pouco a pouco se aloja no céu deste crepúsculo, iluminando o caminho do andante, quando estiver bem no alto. Mas o dia começou diferente. Abri a janela a notar a neblina segurar os raios do sol por mais alguns instantes. Enquanto isto, a minha caneca predileta, girava dentro do forno de microondas, a esquentar o meu café com leite.

Feito o processo de aceleração do fogão moderno, a fim de aquentar o líquido matutino, me posicionei no habitual prazeroso de cada manhã, abrindo a outra janela, e os raios começavam a vencer a neblina. O primeiro brilho, notado na gota de orvalho da folha do abacateiro, parecia lágrima a cair da face do trabalhador ocupado com seus afazeres, pois a chuva dominou por um longo período as paragens aqui do sul. A gota caiu no solo, e a folha verde pouco a pouco secava, a mostrar as diversas tonalidades deste verde esplendoroso. Atomizei meus braços na janela a notar as demais folhas presentes. O pé de couve também derramava suas gotas. A grama agradecia o ato, e a laranjeira do vizinho exibia intensamente seus frutos maduros e lavados pela gota, que caía no mesmo ritmo das demais companheiras.

O pé de pata-de-vaca – liso de folhas – apenas podia agitar seus galhos conforme o vento, e a ninhada do João-de-barro, seguia o embalo juntamente, na segunda tentativa do pedreiro de penas insistente, a erguer sua morada. Nas janelas da residência, que esperam o sol poente, mais folhas aguardavam secar, e o tronco cheio de limo do limoeiro, a sabiá bebia a água alojada na orquídea que cresceu entre os galhos. O dia seguia assim, então resolvi pedalar. A necessidade do momento pedia que a nova magra rodasse pela cidade, para ver como o corpo se sentia após um jejum de longa data. Só recordando, furtaram mais uma magra (bicicleta) e a nova companheira pouco a pouco, sigo a traçar os percursos rotineiros, pois esta é mais veloz, mas desprovida de acessórios de segurança que o ciclista carece, como por exemplo, “espelhos”.


Abri o portão, zerei o ciclo computador e o destino previsto, era o centro da cidade, a pagar contas. A diferença era notada a cada metro vencido e já próximo do passeio publico, notei que o pavimento do biarticulado tinha uma divisão. Metade seca, e a outra os galhos dos arvoredos, deixavam as marcas a cada gota que caía incansavelmente, mesmo estando próximo do meio-dia. Com certeza eram gotas de alegria, refletidas pelos semblantes dos transeuntes, que andavam na ciclovia próxima naquele momento. O sinal verde abriu as portas, e a Praça Tiradentes seria o ponto de chegada. Um pouco antes, passei pela saudosa Praça Generoso Marques, e mais algumas arvores presentes, já não tinham mais gotas a cair, mas a sombra determinava abrigo do sol intenso. Desconectado da magra, tirei as correntes da mochila, e após prendê-la no ponto de ônibus, uma nova imagem surgiu.

O ipê de praça tombado mostrava sua força no banco espatifado, e sem folhas a única coisa a notar, era a fraqueza das raízes, que não suportaram mais o ser decrépito. Os demais arvoredos da praça – com poucas folhas também – sentiam a queda do companheiro de vasta data, e naquele exato momento o relógio da catedral anunciou as doze badaladas. As pombas fizeram sua revoada, e o galho mais alto da arvore caída, uma vertente saía. Lembrei de um dito antigo... ”quando as folhas choram, suas marcas ficam nos galhos lisos que o tempo determina”... Olhei ao redor. O tempo mostrava algo assustador. Carros, ônibus e muitas pessoas a circular pela praça cinzenta. As folhas imundas liberavam gotas de luto pelo ser tombado, e mais ainda pela situação. Cabisbaixo cruzei de um lado a outro. O compromisso com os vencimentos estava superado e ao lar retornei.


A mente em conflito trazia palavras, pensamentos e idéias de forma alucinante. Parei a magra sem perceber que estava próximo da arvore imponente do bairro Bom Retiro, e ao sentar a seu lado olhei para o alto. Os galhos distantes devido ao porte do ser, também estavam sem folhas. Notei a marca d’água da lua retratada no azul do céu, e o sol a se aquietar. Já era quase noite. Cheguei enfim ao lar, guardei a magra e antes de entrar, a lua brilhante se posicionava de tal forma, que parecia estar presa nos galhos do meu ipê amarelo. Poderia? Talvez... Chorei naquele instante. Minha mente se aquietou e o sentimento se fez presente. Entendia o porquê das folhas chorarem. Entrei no lar, fechei a janela do nascente, e observei que a folha do abacateiro não brilhava com a gota do entardecer; mas irradiante seguia a fazer parte do crepúsculo, onde a lua em sua fase de cheia taça ilumina mais uma vez o caminho do andante, que espera apreensivo o despontar de um novo dia...

Comentários

  1. Muito lindo...me fez interagir com seu texto..
    adorei.consegue ir além, enchergas e descreves tão bem através do que sua alma consegue ver o que poucos conseguem..bjs e parabéns meu amigo poeta...

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