EM CIMA DO MURO



Acordei cansado! Também, pudera! Um trecho de mais de 100 km de pedalada do dia anterior compreendidos num espaço de tempo de 12 horas, ou seja, o retorno matutino ao lar ante o pós-plantão de afazeres e o vespertino que iniciou a busca do ambiente precioso, onde a pesca ao lambari é o ritual e o habitual deste ser.

O sol das 14hs nesta época de outono não é tão intenso, mas como vivo numa cidade de quatro estações diárias este sol mais parecia de verão a ficar em cima do muro a espiar os ciclistas com seu olhar potente a trazer a energia de luz irradiante a sugar o néctar do corpo anestesiado de sono e cansaço.

O combinado com o companheiro fiel de pedaladas – que dificilmente falha ao convite – estava assíduo como sempre e com o trajeto em mente, nos bandeamos para as paragens de Bateias. Este local é distrito, ou seja, uma subdivisão do município próspero de Campo Largo e com a chegada do barro preto do homem moderno, a anosa trilha empoeirada fica agora em memória, mas o percurso é algo de extremo valor a notar o mato típico da Estrada do Cerne.

Num certo trecho o pneu sentia a lama moderna e abrasiva aquecer, determinando um ganho maior de aderência. Já próximo do longo trecho de descida da Prefeitura de Campo Magro – cidade vizinha de Campo Largo – os dois companheiros pareciam estar em cima do muro a sincronizar as marchas para obter maior velocidade e sentir o vento passar velozmente na face molhada de suor.

Chegando ao destino o ciclo-computador acusava uma distancia percorrida de mais de 30 km e um tempo de chegada de uma hora e vinte e dois minutos. Alegres com a marca desconectaram-se cada qual de sua carruagem elegante de duas rodas movida a motor-humano para então arrumar os apetrechos da pescaria ao lambari. A lua cheia parecia marca d’água no céu azul vespertino a mostrar-se no oriente antes de reinar com sua plenitude na noite estrelada longe da poluição urbana.

A caminhada pelo rio era constante e o lambari nada de vir. A oferta dos frutos do rio estava adversa a fase da lua propicia para os artífices do lazer e mesmo colhendo poucos lambaris o local sempre representa a sua importância da busca para liberar e acalentar os expectadores ali presentes. A noite rapidamente se apossou a expulsar o sol para o ocidente e aquela lua que a pouco era notada como marca d’água na folha mágica do céu azul, mudará a irradiar como estrela guia da boca da noite.

Neste instante a precisão do homem da terra a dizer que a chuva estava prestes a cair era contemplada a perceber as gotas de a chuva fria no solo seco, pois nenhum equipamento maquinado pelo homem moderno é capaz de superar isto com tamanha eficiência. Lembrei do saudoso avô que tentou repassar isto nos ensinamentos herdados, mas para cada geração que chega a pressa aniquila e naquele instante em silencio fiquei a escutar.

– Esta chuva bandeia aqui apenas!

– Logo passará!

Questionar tão precioso instrumento é a constante dos educados, deixando de cultivar o poderoso observar. Passado o momento o retorno era necessário. Ao chegar ao lar notava encima toda a importância do momento. Tombei na cama exausto e feliz. Os freqüentes sonhos não cercaram o corpo, pois a energia da alma estava escassa e somente o espírito trafegava a colher imagens turvas e caminhos notados em cima de um muro de lagrimas e angustia.

Notava um suspiro e nada mais e de repente o dia se fez presente. Acordei cansado!Também, pudera! E a nostálgica marca do dia anterior agora seguia o curso certo ou incerto do “hoje”. Ao abrir a porta notei as folhas do pé de guiné abatidas e algumas secas. O vento parou e lembrei que era sexta feira maior. Feriado santo de extrema importância para os católicos praticantes e não praticantes e então fui à busca da bênção preciosa do padrinho e madrinha.

Passava do meio-dia e após pedir a bênção retornei ao lar a aguardar o levante a seguir até o compromisso com o batente no ambiente da dor. Nesta época da semana santa a violência é algo incompreensível e permanente infelizmente e antes mesmo de assumir o plantão a primeira marca da pressa era deflagrada com o acidente automobilístico que vitimou quatro pessoas. Não queria aceitar a constante dos fatos e por mais forças que tentasse reunir sabia que a incapacidade estava presente e mais um feriado violento estava por vir.

De repente a frenagem de uma viatura da policia estadual e a aparição de uma menina de aproximadamente dois anos inconsciente no colo do homem fardado. Em prantos pai e mãe aguardavam a abordagem para confeccionar a ficha de atendimento do anjo inocente e em disparada o militar adentrou com a criança no ambiente da dor. Os segundos preciosos iriam determinar o fica ou o vai. Uma gama de qualificados rodeou a cria preciosa e uma a uma as ambulâncias chegavam a entupir ainda mais a sala de politrauma.

– Quanto tempo esta criança está desacordada?Questionava o qualificado

– Mais de vinte minutos a contar do primeiro hospital que paramos e não tinham condição de assistência.

Repassou o militar com a voz ofegante e as lágrimas presentes. Um tempo abissal para a condição do corpo inerte sem auxilio poder superar o trauma e o oxigênio vital nada a ser inalado neste espaço compreendido do fica ou vai. Muitas investidas e nada. Infelizmente nada mais a fazer. O qualificado ao retornar para determinar a pior noticia que há no ambiente da dor escutava a trajetória dos fatos.

O pai a brincar inocentemente com a filha, deixava o anjo caminhar em cima do muro e por diminuto momento os passos se perderam e a menina caiu.O homem ao tentar acudir apoiou-se no muro construído precariamente que não suportou e desabou em cima da criança. A noite acabara naquele instante. Os dramas seguiram sua constante do feriado sempre violento e em cima do muro fiquei.

Minha mente lembrava-se do sonho turvo e do mal pressagio, mas sou apenas um homem e nada mais há notar o tempo passar, chegar e continuar a dizer:

– Sou o mistério, a fé e a vida; e por mais verdades que cheguem ao mundo dos homens ninguém nunca saberá quando estarei presente (...) a mostrar que não se vive em cima do muro e sim com os pés no chão a caminhar o que a ti pertences(...)...


Obs. - não mencionarei o conteúdo dos parêntesis , pois compete a ti descobrir e não mais ficar em cima do muro!


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